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O útero do mundo

5 Sep 2016 – 18 Dec 2016

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Até o século XIX, acreditava-se que as manifestações histéricas, até então vistas como exclusivas das mulheres, derivavam do mau funcionamento do aparelho sexual feminino. Vale lembrar que a palavra histeria deriva do grego hystéra, conexo ao latino utĕrus, origem de útero em português. Na Grécia antiga, Hipócrates e Platão descreviam o órgão como um animal vivo que se deslocava pelo corpo feminino, podendo provocar o sufocamento caso fosse parar no coração ou nas vísceras. Talvez venha daí a crença corrente de que as mulheres eram mais propensas a não refrear seus impulsos, a não ter total controle sobre suas ações. Curiosamente, a noção de que algo indomável e desvairado é inerente à condição feminina marcou as primeiras reflexões sobre as artes. Para Platão, estaria aí um dos grandes defeitos dos poetas: eles não teriam nascido para “o princípio racional da arte”, porém para “o princípio irascível e variado”, que ele acreditava ser característico das mulheres. A arte teria então algo de intrinsecamente feminino, no sentido de que expressa aquilo que foge ao controle, à temperança, ao domínio das paixões: à medida, em suma, que flerta com a loucura.

Séculos depois, em 1928, os surrealistas propuseram que se deixasse de ver a histeria como um fenômeno patológico e se passasse a considerá-la como “um meio supremo de expressão”. Eles estavam fascinados pelas fotografias das mulheres histéricas em pleno ataque, que começaram a circular na segunda metade do século XIX, nas quais se veem seus corpos contorcidos, deformados, indomáveis. Desde então, a imagem da histeria – a imagem daqueles corpos convulsionados, sem controle sobre si mesmos – se torna central para os artistas e pensadores da modernidade. Assim, a partir do século XX, o que antes era considerado doentio ou problemático é assumido, pelo menos por algumas correntes mais radicais do pensamento estético, como aquilo que é próprio da expressão artística. Daí, por exemplo, o escritor e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini referir-se a “uma espécie de impulso histérico” que o teria levado a compor um poema. Daí também o modernista Oswald de Andrade declarar que tem “o coração menstruado” e que, ao criar, sente “uma ternura nervosa, materna, feminina”, que se despregava dele “como um jorro lento de sangue”: “Um sangue que diz tudo, porque promete maternidades. Só um poeta é capaz de ser mulher assim”. A partir de Oswald, podemos afirmar que o princípio feminino, na arte, é uma força tão poderosa e transformadora que pouco importa se o artista nasceu homem ou mulher.

Nesta exposição, estão reunidas cerca de 250 obras, todas pertencentes ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em que o corpo aparece como lugar de expressão de um impulso desvairado. Sob este impulso, o corpo se secciona, se convulsiona, se desorganiza, se transforma, perde contornos e definição. Estamos, em síntese, diante de um corpo indomável. Servem de oriente ao percurso aqui proposto três conceitos extraídos da obra de Clarice Lispector, escritora-filósofa que, em textos fundamentais comoÁgua viva, retomou com brilho o elogio do impulso histérico na forma de um pensamento simultâneo da forma artística e do corpo humano como lugares de êxtase, isto é, de saída de si – e de saída, portanto, das ideias convencionais tanto da arte quanto da própria humanidade. Os conceitos são: grito ancestralmontagem humana e vida primária.

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